quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Crítica do FIT - São José do Rio Preto

Pegue esse Trenzinho do Caipira
“Se a música é o alimento do amor, tocai.” Essa primeira fala da comédia Noite de Reis, de William Shakespeare, pode nos lembrar que entrecruzamentos entre linguagens artísticas sempre nutriram diferentes artistas. Música e teatro não fogem à regra, desde os sons embalando rituais ancestrais ao kathakali, de Brecht e Kurt Weil a Chico Buarque e Paulo Pontes, dos cantos de Antonio Nóbrega ao club cênico do Fuerza Bruta de Buenos Aires, da música pós-industrial do La Fura dels Baus aos instrumentos reciclados de pvc e garrafas pet do Udigrudi de Brasília. Ligando música e teatro para crianças, muitos podem lembrar-se de belas adaptações cênicas de Pedro e o Lobo. A obra musical de Prokofiev teve uma enorme visibilidade internacional com o filme homônimo dos estúdios de Walt Disney. Hilário lembrar também que após assistir Fantasia do mesmo Disney, Heiner Müller declarou-se traumatizado pelo pavor de que, doravante, sempre que ouvisse Tchaikovski ou Stravinski estaria visualizando hipopótamos bailando e ratos fazendo mágicas. Pavor muito maior é ver que em diversas cidades do Brasil, versões requentadas dos estúdios estadunidenses ou produções sem crítica ou reflexão são reproduzidas nos palcos para crianças. Não, perdão respeitável público, contra crianças! São tramas, valores, discursos e mensagens duvidosas, que reforçam idéias preconceituosas, classistas, sexistas, racistas, ageistas ou fascistas. Infelizmente, há um filão do teatro infantil que abastece uma prática capitalista perversa que ignora a contundência da linguagem teatral na educação formal e informal de futuros adultos. Mas o Brasil tem artistas e grupos que buscam outros caminhos para nossas crianças – como Cia. do Abração, entre muitos outros, felizmente. Benzido por Heitor Villa-Lobos, o Trenzinho do Caipira privilegia a criatividade e a estÉtica. Ao invés de requentar tessituras perversas, o Trenzinho se inspira na sublime composição do tio-avô do Dado (Legião Urbana), para construir um trabalho singelo e bem pensado no qual se transpira o respeito à criança, à brasilidade, à amizade e à transformação. Na apresentação que assisti aqui em São José do Rio Preto, houve alguns picos de fluidez na trama e, talvez por isso, na interpretação – descontinuidade que as elaboradas dramaturgia e direção podem facilmente resolver com o dedicado elenco. Dentro da maturidade construída pelo grupo desde 2001, a Cia. do Abração mantém espaço próprio e independente em Curitiba com Escola, biblioteca, Teatro, Núcleo de Teatro Amador, grupo permanente de pesquisa, eventos de formação profissional e repertório. Em um país que respeitasse mais suas atividades artísticas, eles certamente teriam uma força maior por parte dos que cuidam de nosso patrimônio cultural, presente e futuro. Que deuses e deusas nos protejam de perder a auto-crítica ou a capacidade de reflexão e ação, mas este artista cênico e professor que aqui vos escreve nunca quis nem quer ser crítico. Não por falta de admiração por críticos que desempenham dignamente sua profissão, mas por absoluta incompetência da pressão industrial de um jornal e da possível imposição de criticar trabalhos que não acredito que mereçam espaço ou que não motivem minha curiosidade, vontade de aprendizado, admiração e desejo de criação e mais ainda por uma certa estranheza ética de criticar colegas. Mas O trenzinho do caipira me facilitou muito o desafio, pelo prazer e emoção. Assisti ao espetáculo ao lado de minha mais jovem e mais nova amiga, Noa, filha de Naomi e Rick do LUME. Ela em seu primeiro ano de vida, eu celebrando mais outro. Assim como a platéia, nós dois estávamos embalados por razões e idades diferentes, mas igualmente encantados pelo presente da Cia. do Abração. E você, pegue esse trem quando ele passar por sua cidade. E boas viagens.
Fernando Villar

2 comentários:

PROJETO : "MÚSICA NO MUSEU DO MAR" disse...

É um trabalho Maravilhoso!
Parabéns!!!
Bem que este trenzinho podia dar uma passadinha la pelo Blog Musica no Museu do Mar e pegar de presente um selinho violeta.
Um abração
Bete

Unknown disse...

Lindos esses 7 personagens, 7 cores do arco-íris trazendo até nós a música de Heitor Villa-Lobos com Poema de Ferreira Gullar.

Vendo essa peça, a Cia do Abraçao, me fez encontrar a ciranda, as estrelas e o LuaR.

abç, Cecilia